O que é a Gestalt-terapia (abordagem que atuo)?
- viviannecalado
- 1 de mar. de 2022
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Essa nova terapia ainda é indefinida para o grande público e foi batizada com diversos nomes: “terapia da concentração, terapia do aqui e agora, psicanálise existencial, terapia integrativa, psicodrama imaginário, terapia do contato” (Ginger e Ginger, 1995, p. 16). Mas Perls a batizara primeiramente de terapia da concentração, opondo-se ao método da livre associação, da Psicanálise ortodoxa.
Entretanto acabou mudando de ideia e sugeriu o nome Gestalt-terapia, o que suscitou diversas críticas, principalmente de Laura Perls, sua mulher, pois esta como estudiosa da Psicologia da Gestalt não via relação estreita entre essas teorias. Outros autores como Paul Goodman achava o termo diferente demais, no entanto esse era o objetivo do irreverente Perls, que buscava algo que chamasse a atenção e suscitasse curiosidade quanto ao significado do termo (Ginger e Ginger, 1995).
Gestalt uma palavra alemã que não tem uma tradução literal para o português, mas que nos dicionários comuns da língua Brasileira trazem o sentido de forma, figura que emerge de um todo.
O sentido geral é de uma disposição ou configuração - uma organização específica de partes que constitui um todo particular. O princípio mais importante de abordagem gestáltica é o de propor que uma análise das partes nunca pode proporcionar uma compreensão do todo, uma vez que o todo é definido pelas interações e interdependências das partes. As partes de uma Gestalt não mantêm sua identidade quando estão separadas de sua função e lugar no todo (Fadiman e Frager, 1979, p.129).
A concepção da Gestalt-terapia foi por volta dos anos 40, na África do Sul, mas seu nascimento oficial foi após a Segunda Guerra Mundial, por volta de 1951, em Nova York com a publicação do livro Gestalt-terapia escrito por Perls, Herfferline e Godman, numa época de pleno otimismo das psicoterapias humanistas. Contudo, foi na Califórnia que ela tomou maiores proporções em busca de novos valores humanistas de criatividade, procurou “revalorizar o ser em relação ao ter, emancipar o saber em relação ao poder” (Ginger e Ginger, 1995, p. 17).
Ela pretendia ser antiintelectualista, com o intuito de mostrar a importância de se trabalhar holisticamente e existencialmente com os clientes. Atingindo, sobremaneira, os níveis emocionais e relacionais. A Gestalt-terapia concorda com a proposta existencialista e fenomenológica. Em sua aplicação prática, ressalta a atitude dialógica[1], na qual o ser-no-mundo é a prioridade, na compreensão do que é apresentado ao cliente, estimula a corresponsabilidade no setting terapêutico e o método experiencial como forma de obter awareness[2], percebe-se com isso que ela constrói uma teoria a partir da prática (Rodrigues, 2000).
A Gestalt-terapia foi também inspirada nos novos paradigmas da física moderna e das teorias sistêmica, holística e de campo, isto é, numa perspectiva psicossocial que enfatiza o processo, não a busca de essências, promovendo uma visão contextualizada do ser humano, isto é, como parte integrante e inseparável do sistema indivíduo-meio. Por isso, apresenta-se como uma verdadeira filosofia existencial, uma maneira ímpar de conceber as relações do ser vivo com o mundo.
Ela dá importância à tomada de consciência da experiência atual, o chamado aqui e agora, e restitui a percepção emocional e corporal, não valorizada na cultura ocidental, com o objetivo de integrar as diversas dimensões do ser humano, sensoriais, afetivas, intelectuais, sociais e espirituais (Ginger e Ginger, 1995). Com isso o homem começa a se perceber, compreende seus comportamentos e sentimentos propiciando uma tomada de consciência e responsabilidade por suas atitudes, escolhas, evitações entre outros processos.
O objetivo desta abordagem não é explicar as possíveis dificuldades que o homem tem, mas proporcionar momentos em que ele experimente, no aqui e agora, o seu como, sua própria forma de ser e agir no mundo. Busca-se que o cliente interesse-se genuinamente em compreender seu próprio processo, entrando em contato com seus sentimentos que antes estavam fora do seu campo de percepção e com isso possa reorganizar seu mundo. Com isso ele poderá ampliar sua capacidade de estar consciente de si e de sua relação no contexto que o envolve, mobilizando-se para fechar suas gestalten[3] inacabadas.
A Gestalt-terapia pode ser definida como uma terapia dialógica, ou seja, uma terapia que se utiliza do diálogo como principal instrumento de encontro consigo, com o outro e com o mundo, visto que é também uma terapia do contato e não se pode pensar em contato sem pensar em diálogo e vice-versa.
É para o entre que a atenção do terapeuta deve estar voltada, o diálogo não ocorre no cliente, nem no terapeuta, mas ocorre entre duas palavras que transportam, de um lado para outro, o ser dos interlocutores (Ribeiro, 2006).
No que se refere a compreensão sobre o que é ter saúde, a Gestalt-terapia (GT)[4] acredita na “saúde não como ausência de doença ou de enfermidade, mas como um estado de completo bem-estar físico, mental e social” (Ginger e Ginger, 1995, p. 14). Nota-se então, que esta psicoterapia visa à manutenção e o desenvolvimento de um bem-estar, e não curar as pessoas de algum distúrbio ou transtorno, uma vez que não se pode curar algo que não está doente, porque para dizer que uma doença está instaurada, deveria se ter um parâmetro de comparação, mas como esta abordagem defende a subjetividade e a singularidade de cada sujeito, não existiriam pessoas doentes, psicologicamente falando, por não ser possível fazer uma comparação.
Acredita-se que existem pessoas com algum tipo de dificuldade em lidar com o seu jeito de ser, seja por estar “incoerente” com a normalidade estabelecida pela sociedade, seja por não estar conseguindo se auto-regular. A partir disso, a GT, defende uma noção de saúde relacionada a um movimento para a vida, através de um contato consigo mesmo e com o meio, ou seja, quando o indivíduo consegue se auto-regular satisfatoriamente, respeitando suas necessidades. Ela funciona como um acompanhamento do devir da pessoa, num determinado momento da vida dela, o terapeuta funciona como uma testemunha ocular de um processo, do acontecer do cliente.
No que se refere à alta, em GT não se acredita que o terapeuta a possa dar, haja vista que não se concebe que o cliente esteja doente, mas que ele esteja sentindo algum incômodo por não estar conseguindo se auto-regular, e quem determinará quando a psicoterapia acabará é este, pois é dele a referência que se tem do seu próprio “estado de saúde”.
Esta abordagem entende que o homem é
um ser digno de confiança, isto é, é responsável por si mesmo pois se escolhe ser o que é, é uma totalidade que pode ser integrada, voltado para a consciência, auto-regulado, em permanente energia de auto-realização e presentificação e em busca de dar um sentido à suas percepções, às suas experiências, à sua existência (Martins, 1992, p.3).
Acredita-se ser necessário compreender qual a visão de homem da GT, pois é esta concepção que orientará e delimitará o trabalho psicoterápico em todas as suas fases e dimensões, desde a sua formulação e construção teórica, passando pelo modo como se realizam suas intervenções e pesquisas, como será supervisionada e até como serão as práticas e técnicas utilizadas.
Com relação à atuação no Brasil, a GT aparece nos anos 70 e, adaptando sua teoria e prática à nossa cultura, vem expandindo-se desde então. Passou por várias fases de amadurecimento, articulando-se em diferentes tendências e ecoando com as transformações culturais e sociais das décadas que se seguiram (Lillienthal, Fernandes e Ciornai, 2001).
Ela é hoje praticada nos mais variados contextos e com objetivos diferentes, como em psicoterapias individuais face a face, em terapias de casais, familiar, grupais, em instituições hospitalares, escolas, entre outros. Enfim, essa psicoterapia se destina a qualquer pessoa que “esteja procurando desabrochar melhor seu potencial latente, não só um melhor-ser, mas um mais-ser, uma qualidade de vida melhor” (Ginger e Ginger, 1995, p.15).
Referências:
FADIMAN, James, FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. Tradução de Camila Pedral Sampaio. São Paulo: HARBRA, 1986.
GINGER, Serge; GINGER, Anne. Gestalt: uma Terapia de Contato. Tradução de Sonia de Souza Rangel. São Paulo: Summus, 1995.
LILIENTHAL, Luiz; FERNANDES, Myrian Bove; CIORNAI, Selma. Os 50 anos da Gestalt-Terapia. Revista do Instituto de Gestalt do Brasil – Koema, Dezembro de 2001.
MARTINS, Antonio Elmo de Oliveira. A concepção de homem da Gestalt-terapia e suas implicações no processo psicoterápico. Espírito Santo, 1992.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-Terapia: refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 1985.
RODRIGUES, Hugo Elídio. Introdução à Gestalt-Terapia – Conversando sobre os Fundamentos da Abordagem Gestáltica. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2000.
Autora: Vivianne Calado
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